Daniel Galera aprontou uma comigo. Saí da leitura de seu mais recente romance me sentindo transportado para a primeira metade dos anos 90: vídeo-game, tênis M200 com “amortecedores piramidais”, a passagem das bicicletas de bicicross para as de mountain bike, as festinhas regadas a guaraná e com a “hora da música lenta”, em que “Patience”, do Guns and Roses, nunca podia faltar. Cabe lembrar a clássica definição de Julio Cortazar: o romance vence o leitor por pontos, enquanto o conto vence por nocaute.

Fui pouco a pouco sendo atingido, capítulo a capítulo e, quando conseguia me recuperar, lá vinha outro soco e também pontapés, aliás, como acontece literalmente com alguns personagens. Se até agora essa resenha te parece muito emotiva, caro leitor, não estás enganado. Quem ler o livro e tiver a mesma idade do autor, assim como eu, e for um pouco saudosista, também vai se emocionar ao se ver jovem, filmado por uma grua, como sugere a epígrafe do livro.

Mão de cavalo (Companhia das Letras, 192 páginas) se apresenta em 3 espaços temporais distintos, que aos poucos vão se juntando. Primeiro, o menino de 10 anos com sua Caloi Cross; depois, o “adulto” que planeja se aventurar numa escalada nos altiplanos bolivianos; e, por último, o adolescente que começa a conhecer os primeiros problemas da vida. Todos são (e não são) Hermano, o protagonista do romance.

A história inicia com uma das aventuras do Ciclista Urbano, andando em alta velocidade pelas ruas de Porto Alegre. A comparação com o cinema americano é inevitável, pois parece que as imagens do menino em sua bicicleta se sucedem enquanto passam os créditos iniciais de um filme. Até o tombo que ele leva, me desculpem o clichê, é cinematográfico!

Na parte adulta, por seu turno, vemos aquele menino agora dentro do seu carro, fazendo algumas reflexões sobre um passado cronologicamente não muito distante. Está casado, com uma filha, numa vida normal de acordo com os padrões da classe média. Pretende se encontrar com um amigo para fazerem alpinismo nos altiplanos bolivianos, porém a escalada que acaba fazendo é nos seus próprios pensamentos.

A terceira parte aborda sua adolescência, num momento importante, que vai definir sua personalidade. É a fase que ocupa a maior parte do livro e, como as outras, é narrada na terceira pessoa, porém na perspectiva de Hermano.

Mãos de cavalo talvez seja o primeiro romance de formação da chamada geração 00. Até agora só lemos textos fragmentados, que abordam partes da vida de personagens e que não prestam contas das idas e vindas de um indivíduo. Galera, paradoxalmente, inovou ao utilizar um gênero tradicional. A temática da violência, por seu turno, em que pese aparecer na obra de 9 em cada 10 escritores contemporâneos, também foi tratada de uma forma diferente.

Autor de Dentes guardados (2001) e Até o dia em que o cão morreu (2003), Daniel Galera é um dos grandes nomes da literatura atual. Como a maioria dos seus parceiros, começou escrevendo na Internet e depois, junto com outros escritores, fundou uma editora independente, a “Livros do Mal”, por onde publicou as duas primeiras obras. Desconhecido do grande público, Daniel Galera, agora em uma das maiores editoras do país, terá o reconhecimento que merece.

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