Texto publicado na Zero Hora de hoje:

Obama e a casa dividida, por Voltaire Schilling*

“Uma casa dividida não pode parar em pé. Eu acredito que este governo não pode manter-se, permanentemente, meio escravo e meio livre. Eu não espero que a União se dissolva – eu não espero que a casa caia – mas eu espero é que ela cesse de ficar dividida.”

A. Lincoln – Discurso da Casa Dividida(Springfield, Illinois, 18 de junho de 1858)

O adversário de Abraham Lincoln ao Senado de Illinois era um tipo formidável. Stephen Douglas, o pequeno gigante, era um orador brilhante e um polemista de primeira. Lincoln, quase um recém-chegado à política, mostrou, há 150 anos atrás, enorme coragem em desafiá-lo para uma série de debates públicos a serem travados em várias cidades do Estado (Ottawa, Freeport, Jonesboro, Charleston, Galesburg, Quincy e Alton, entre 21 de agosto e 15 de outubro de 1858).

Stephen acusava Lincoln de interpretar de modo incorreto a Declaração de Independência, que afirmava a igualdade de todos. Para ele, os negros não eram iguais, não mereciam ter direitos humanos. Lincoln, ao contrário, enfatizou que a questão da escravidão não era apenas um problema dos americanos, muito menos de Illinois, mas sim uma desgraça universal a ser varrida da América.

O que não cessou de destacar foi o estrago que a permanência do sistema servil provocava na vida dos Estados Unidos. Foi na largada da campanha de 1858 que ele pronunciou o famoso discurso da “Casa Dividida”, prevendo que aquela situação do país, ter uma parte livre e outra escrava, não poderia perdurar. Bastava ver o que estava se passando no território do Kansas, o “Kansas ensanguentado”, de Horace Greely, onde bandos de pistoleiros pró e contra a escravidão se tiroteavam havia quatros anos.

Eleito presidente em 1860, Lincoln não hesitou em aceitar a guerra que lhe fora imposta pelos Estados do Sul escravista quase que em seguida a sua posse. Não podia concordar que a casa ruísse inteiramente. A União tinha que ser preservada. E o foi depois de 618 mil americanos mortos!

Num encontro que Lincoln teve na Casa Branca com Frederick Douglas e algumas lideranças negras após ter feito aprovar a 13ª Emenda, a que aboliu a servidão nos Estados Unidos, se manifestou pessimista quanto ao destino da gente de cor. Não acreditava que eles fossem algum dia integrados à sociedade dominada pelos brancos. Chegou até a recomendar que arrumassem um modo de voltarem para a África agora que os havia alforriado. Mas nenhum deles mostrou entusiasmo com a ideia. Lincoln estava errado. Barack Obama é o resultado disto.

O jovem mandatário negro que hoje assume o mais alto cargo da nação, tal como Lincoln, herdou uma casa dividida. Pela guerra no Oriente e pela crise econômica. Está falida e endividada. Terá pela frente uma tarefa digna de um Hércules para fazer com que ela não estremeça e se transforme numa ruína. Daí o simbolismo de começar sua posse em Washington pronunciando-se no Memorial Lincoln, o presidente que foi à guerra pela união e evitou que a casa desabasse.

*Historiador

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