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O crack e os assaltos

Agora não me sinto mais tranquilo nem no meu próprio bairro. O lugar onde moro já era conhecido pelo tráfico existente nas proximidades. Negaram-me muitas vezes entregas de gás ou pizza, pois tinham medo de serem assaltados, o que dificilmente acontecia. E eu sempre dizia aos meus conhecidos para não se preocuparem, o pessoal não era de assalto. Há anos morando no bairro, nunca pensei que ia passar por essa situação.

Sexta-feira, 5h e 50min, saindo para o trabalho. Mas por que um professor tem que sair tão cedo, pode alguém perguntar, já que as aulas começam geralmente às 7h e 30min? Acontece que dou aulas não em Santa Cruz, mas em Venâncio Aires, e preciso pegar um ônibus no centro às 6h e 20min. Como não há urbano mais cedo perto de casa, cumpro um trajeto de meia hora a pé até a parada. Além disso, mais 1 hora de ônibus rumo à Capital do Chimarrão. Dificuldades, enfim, de quem está começando na carreira (se bem que já são 5 anos nessa rotina).

No último ano, comecei a passar por um grupo de pessoas que ficam madrugadas a dentro fumando crack, esta droga tão terrível. Ela os afeta de tal forma que perdem até a noção do tempo, pois uma vez escutei uma mulher do grupo dizendo para os outros “deve ser umas 4 horas, né?” Nunca tive problemas com eles, até por que conheço alguns.

Pois dia 26 as coisas foram diferentes, para combinar com uma semana ruim: gripe forte (desconfiei que fosse a tal Gripe A), meu time perdeu na Recopa e meu ídolo de infância morreu. Dessa vez, só havia três pessoas naquele grupo: dois homens e uma mulher. Ao me verem, os dois homens saem caminhando na minha frente e eu, com mais pressa, passo por eles. Quando já estou alguns metros na frente, me chamam pedindo 1 real. Disse que não tinha, pois o meu dinheiro estava “contadinho” para a passagem de ônibus. “Vamo vê aí!”, retruca um deles, enquanto levanta a camisa, querendo mostrar uma arma, a qual não vi. Tirei a carteira, com medo que levassem meus documentos, abri-a e contei as poucas notas em poder deste pobre professor. Disse-lhes: “Tenho 8 ‘pila’ e gasto 4 pra ir, mais 4 pra voltar. Pelo menos me deixem o da ida, depois dou um jeito” Falei que conhecia o pessoal dali, e acho, inclusive, que eles próprios sabiam quem eu era, pois taparam o rosto com seus casacos. Chegaram a afirmas serem de outro bairro.
Por mais incrível que possa parecer, o ladrão disse: “Tu foi legal, vou te deixar parte do dinheiro”. Quando já iam embora, fui conferir a sobra. No nervosismo, acabei dando 6 reais para eles. Obriguei-me a pedir de volta mais 2 reais. E, pasmem, eles devolveram!

Refletindo sobre esse insólito episódio, acredito que o objetivo deles era simplesmente conseguir qualquer quantia para comprar crack. Muitas pessoas passam por essa mesma situação e outras chegam a ter suas casas “limpas” por delinquentes que muitas vezes são parentes das vítimas. Famílias estão sendo destruídas e, principalmente, vidas estão sendo perdidas por este vício. Até quando?

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