FELIZ ANIVERSÁRIO


por Cassionei Niches Petry
Até amanhã, Cláudia. Até amanhã, Sr. Vítor. Está indo mais cedo hoje? Pois é, tenho que comprar um presente pra minha filha. É o aniversário dela, sabe. Diz que eu estou mandando um abraço pra ela, Sr. Vítor. Pode deixar. Sai apressado, se despede de outro funcionário. O senhor não sabia que estou saindo de férias, seu Vítor? Boas férias, então. A recepcionista faz sinal com o dedo, está ocupada no telefone. Essa um dia eu traço, ele pensa. No estacionamento, encontra o flanelinha. O senhor cuida que os pneus estão carecas. Não se preocupe, Dudu, vou trocar eles amanhã. Entra no seu inseparável Monza vermelho, o primeiro carro que comprou quando os negócios começaram a crescer, e enfrenta o perigoso trânsito da cidade.
***
Ela põe a roupa dada por sua mãe de presente de aniversário. Mira-se no espelho e lembra que há bem pouco tempo era uma jovem magricela, mal vestida, motivo de risos das colegas do colégio. Quando seu pai montou a empresa e começou a ganhar dinheiro, tudo mudou. Entrou numa academia de ginástica, adquiriu as melhores roupas das lojas, fez novas amizades e passou até a aparecer na coluna social do jornal. Além disso, arrumou também muitos namorados, até se apaixonar decididamente pelo filho do diretor da maior fumageira da cidade. É pelo namorado que ela espera ansiosamente. Prometeu uma noite especial, e ela já imagina onde será.
Teu namorado chegou, grita a mãe atrás da porta. Fala que eu ainda vou demorar um pouco, responde, querendo se fazer de difícil. Coloca uma camisinha na bolsa e sorri para o seu rosto no espelho: adeus, menininha!
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Vocês precisavam ver, diz um pipoqueiro para os curiosos, o carro vinha na contra-mão e deu de cara com a camioneta. O corpo do motorista está entre as ferragens e ninguém sabe se está vivo. E os bombeiros que não aparecem para tirar logo o desinfeliz dali, reclama o dono de uma loja cujos clientes foram todos para a rua ver o desastre. O motorista da camioneta está sentado no meio-fio da calçada e repete chorando eu não tive culpa, eu não tive culpa.
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E o pai que não vem, hein?, diz a aniversariante, irritada. Calma, filha. Decerto foi comprar um presente pra ti e não conseguiu se decidir ainda. Eu quero sair logo com o meu namorado e não vou ficar esperando o pai, droga. Por favor, filha, ele não te viu hoje e gostaria tanto de te dar um abraço. Ah! mãe, ele que se dane!
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Os veículos foram retirados e, aos poucos, os curiosos vão indo embora. Por todo o asfalto, há manchas de sangue e cacos de vidro. As lojas já estão fechadas, mas o pipoqueiro continua trabalhando. Ao lado, sua filha brinca com uma boneca que achou perto de um dos carros, embrulhada num papel colorido.
***
Estão saindo na porta quando o telefone toca. A aniversariante volta correndo para atender. Alô! Oi, pai. Obrigada, pensei que tinha esquecido. O senhor vai demorar pra vir? Que pena. Tem uma reunião com uma pessoa muito importante e não sabe que horas vai chegar, mãe. Tá mandando um beijão pra senhora e manda dizer que ama muito a gente e pra gente nunca esquecer ele. Que papo estranho, pai... E o meu presente, o senhor vai trazer? Hein, pai? Pai! Responde, pai.
Do outro lado da linha, apenas um suspiro.

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