Eu (da série filosofices de segunda)


O filósofo José Ortega y Gasset escreveu uma das frases mais acertadas de todo o pensamento universal: “eu sou eu e minhas circunstâncias”, presente no seu primeiro livro, de 1914, Meditaciones del Quijote. Cada vez que a leio, as circunstâncias são diferentes e, por conseguinte, as interpretações também. Na primeira vez, li a frase pensando na maneira com as pessoas guiam suas vidas. Elas se adaptam ao meio, acabando por se acomodar e a imitar o que os outros fazem.

Hoje, no entanto, vejo a sentença de outra forma. Como o filósofo se utiliza do pronome possessivo “minhas”, ele pode estar excluindo as circunstâncias externa ao indivíduo. Parto do princípio, então, de que sou eu que devo criar as circunstâncias, não esperar que os outros se adaptem às minhas ou que eu acabe me acomodando com as circunstâncias que me apresentam. Aliás, a continuação da frase elucida um pouco mais a questão: “eu sou eu e minhas circunstâncias, se não me salvo a elas, não me salvo a mim mesmo”. Em outras palavras, se nos deixamos nos levar pelo coletivismo, acabamos esquecendo o nosso “eu” e nos tornamos infelizes.

Sinto-me um peixe fora d’água (ah, os clichês!). Tenho um círculo de amigos que não tem os mesmos gostos do que os meus. Eles não leem, não são críticos, gostam de músicas pelas quais tenho um certo distanciamento. Nas escolas onde trabalho, é difícil encontrar alguém com quem trocar ideias, mesmo sendo professores. Ficar no intervalo ouvindo falar de novela, do cachorro que está doente, da roupa que compraram, do perfumes da Avon que a fulana está vendendo, das últimas do reality show do momento, etc., etc., tudo isso é uma forte poção de drogas para os ouvidos e o cérebro.

Por isso, crio eu minhas próprias circunstâncias. Nessas horas me lembro de letras dos Engenheiros do Hawaii: “Ando só/como um pássaro voando/ando só/como se voasse em bando”, na música Ando só, do álbum Várias variáveis. Ou em Humano demais, do álbum Minuano, em que Humberto Gessinger cita Ortega y Gasset: “e agora somos só nós dois: eu e minha circunstância/sempre foi só nós dois: eu e minha circunstância/sempre só nós dois: eu e eu”. Nesses momentos que não me agradam fico quieto no meu canto, às vezes observando para, quem sabe, utilizar tudo que ouço em algum conto (sou um vampiro, lembram?). Ou tento ler um livro, a única coisa que me faz fugir da realidade para poder entendê-la. Sei que pareço criar um muro floydiano em volta de mim, mas antes o muro separando do que uma ponte me unindo às imbecilidades do cotidiano.


***

Ouvindo o álbum Minuano, dos Engenheiros:

Comentários

Bruna Fernandes disse…
um grande "achado" de feriado,aborda ótimos assuntos como cinema,literatura,música,política...!
Parabéns pelo blog.
Abraço
huahsuahsu
adorei a última frase:
"antes o muro separando do que uma ponte me unindo às imbecilidades do cotidiano"

ah você não é o único, estamos todos unidos por este auto isolamento..

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