A luta e a vida

Cassionei Niches Petry

Muitos falam que a vida é uma luta diária. Mas de que tipo ela seria? Uma das artes marciais, como o judô, o jiu-jitsu, o karatê, o kung fu ou a capoeira? Ou de outras categorias como o boxe, o sumô e o telecatch?

É interessante falar em artes marciais nesse período que corresponde à entrada de um novo ano. Marcial vem de Marte, o deus da guerra na mitologia romana. Cada começo de ano tem a ver com uma nova guerra em que vamos entrar – lembrando que na antiguidade o ano começava em março. Quando falamos em artes marciais, falamos sobre artes de combate em que não se usa armas, o que já é uma boa ideia para um mundo que busca a paz.

Podemos encarar a vida no próximo ano como uma luta de judô. Aqui a estratégia é importante. Estudamos atentamente nosso objetivo antes de agarrá-lo. A palavra judô, aliás, significa “caminho da suavidade”. Calmamente podemos derrubar nossos obstáculos.

Já o Jiu-jitsu, por incrível que pareça, significa algo como a “arte da suavidade” ou “técnica da brandura”, mas seus seguidores são conhecidos por atos de violência. Contraditória como a vida, portanto, essa luta – “a suave arte de quebrar os ossos” –tem muito a ver com ela. Como dizia Che Guevara: “Endurecer sempre, mas perder a ternura jamais.”

O caratê e o kung fu me trazem certo ar nostálgico. Quando criança queria aprender essas artes, influenciado pelos filmes do Bruce Lee ou os quadrinhos do Mestre do Kung Fu. Sempre ouvia dizer que essas lutas serviam tão somente para defesa pessoal, e era do que mais precisava depois de apanhar dos mais fortes na escola. Defender-se dos perigos da vida, mas consciente de que não devemos atacar, eis a grande lição.

A vida parece também com a capoeira, quando nos esquivamos dos perigos, damos saltos mortais e nosso objetivo não é atingir o adversário. E como a vida de quase todo brasileiro, essa luta é acompanhada por música, dança e muita ginga.

Ou a vida seria uma luta de boxe? Em ambos levamos muita pancada na cara, caímos, levantamos, mas também batemos. Uns ganham por nocaute, de uma hora para outra crescem na vida, outros vencem por pontos, anos e anos lutando para ter um lugar ao sol. Coincidência ou não, há 12 rounds em cada luta, como os 12 meses do ano.

Outras vezes a vida tem o peso do sumô. Somos gigantes, como os deuses das lendas japonesas, lutando para que não nos tirem do círculo da vida.

No livro Mitologias, o filósofo francês Roland Barthes escreveu um ensaio sobre o catch francês, que no Brasil ficou conhecido como telecatch ou luta livre. Para ele, esse tipo de luta não é um esporte, mas um espetáculo em que há toda uma encenação. O lutador quando está perdendo a luta, fica se contorcendo de “dor” no ringue, prolongando seu sofrimento para que o público acompanhe sua tragédia, público ciente de que tudo é fingimento, pois o catch não é um espetáculo sádico: “trata-se apenas de uma imagem, e o espectador não deseja o sofrimento real do lutador; saboreia unicamente a perfeição de uma iconografia.” A vida é também isso: fingimento, encenação, teatro, no qual somos atores e também expectadores.

Eu, de minha parte, vou continuar a luta que Carlos Drummond de Andrade imortalizou num poema: a luta com a palavra. Um luta vã – como todas as outras – na qual apanho muito, saio todo machucado, mas que no final cura as feridas de outras pelejas. E você, leitor, que luta vai praticar no novo ano?


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