A arte contra a opressão - Traçando Livros de hoje

Os que bebem como os cães, do piauiense Assis Brasil (não confundir com o gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil) foi o romance que mais me perturbou quando o li pela primeira vez na biblioteca da escola onde estudava. Fazia parte de um volume chamado Ciclo do terror, com outros três romances do autor, que é também um grande crítico literário. Depois, nunca mais tive contato com o livro, que não foi mais editado, mas tinha muita vontade de relê-lo para ver se me causaria o mesmo impacto.

Por esses dias, para minha felicidade, encontrei o Ciclo do terror, em bom estado de conservação, num sebo aqui de Santa Cruz do Sul. Comprei-o por 15 reais e, claro, mergulhei na leitura.

A história é dividida em três capítulos que se repetem durante as mais de 150 páginas: “A cela”, “O pátio” e “O grito”. Um homem está em uma cela escura, tendo como alimento um prato de sopa que, por estar algemado com as mãos nas costas, tem que comer como se fosse um cachorro, debruçando-se sobre o alimento e o lambendo. Não lembra seu nome e nem por que está preso. Sem noção do tempo, não consegue precisar os dias em que os guardas o levam para o pátio, junto com os prisioneiros das outras celas, para, em poucos minutos, tomar banho, beber água e depois lavar a roupa toda defecada e urinada. Ao voltarem para as celas, os presos têm suas bocas fechadas com esparadrapos, pois são proibidos de falarem. Antes, porém, alguns conseguem gritar palavras soltas, nomes de pessoas, etc. Mas são calados com socos e coronhadas.

A degradação pela qual vai passando o personagem deixa mal o leitor. Em determinados momentos, ele chega a dividir seu prato com ratos. A barba crescendo, a roupa ficando podre devido aos excrementos do prisioneiro, tudo nos leva a pensar até que ponto pode chegar a maldade do ser humano.

O personagem só começa a se dar conta do que acontece quando percebe que a água e o alimento deveriam conter drogas para entorpecer os prisioneiros. Deixa de tomar água do pátio e diminui a quantidade de sopa que ingere, deixando o resto para os ratinhos que o visitam. Com os pés, faz um buraco para armazenar pingos da chuva que caem de uma goteira para matar a sede. Começa aos poucos a se lembrar da mãe, do pai, da mulher e de seu nome: Jeremias. Recorda-se de uma sala de aula, ele falando sobre arte com os alunos: “a obra de arte não deve se submeter ao real”, “a arte também não deve fugir ao real”. Lembra, então, que é um professor de Literatura e que está preso por agitar os estudantes, por escrever livros, por falar sobre arte, por ser filósofo... Já sabendo quem era, e não vendo perspectiva de sair daquela situação, acaba esfregando os pulsos no muro do pátio até sangrar, sob o olhar dos guardas que não evitam seu suicídio.

Como o livro foi escrito em 1975, a ligação com a ditadura militar é inevitável. O que mais me tocou nessa releitura foi que justamente sou professor de Literatura e na semana que reli o romance eu falava sobre arte para os alunos e de como ela retrata a realidade. Me questiono: se vivesse na época do regime militar eu seria o mesmo tipo de professor - instigando os alunos a pensarem, correndo o risco de ser preso - ou me adaptaria ao sistema? De qualquer forma, a filosofia, a literatura e as demais artes são formas de conhecimento que não nos deixam esquecer o que sofreram muitas pessoas, para que isso não se repita jamais.

Cassionei Niches Petry é professor e mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Crê religiosamente na literatura como salvação da humanidade. Escreve quinzenalmente no Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com.

Comentários

Wagner Bezerra disse…
Poxa Cassionei contasse o final do livro...hehe

Tinha ficado instigado a ler quando vi... =/ =D

Mas tudo bem...hehe

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