Traçando livros de hoje

(Nos próximos meses, a coluna sairá apenas uma vez por mês. Aqui no blog, no entanto, a regularidade das resenhas permanecerá e estou pensando até em escrevê-las semanalmente.)

Os escritores também falam

A entrevista pode ser considerada um gênero literário, se for bem conduzida e com respostas que fujam do senso comum. Há, nesse caso, uma parceria entre entrevistado e entrevistador, ambos escolhendo as palavras com olhar artístico. Exemplo disso tivemos recentemente nas páginas da Gazeta do Sul: a arte bem feita do Romar Beling em dueto com Carlos Nejar. O jornalista é mestre no assunto, mas não bastariam suas indagações pertinentes se não fossem as ótimas respostas do poeta. A curiosidade do leitor, por sua vez, completa o quadro.

Alguns exemplos clássicos desse gênero estão sendo publicados no livro As entrevistas da Paris Review – volume 1 (Companhia das Letras, 459 páginas). A revista foi fundada por escritores americanos que viviam na capital francesa, nos anos 50, com o intuito de publicarem suas poesias e ficções. O primeiro sabatinado foi E. M. Forster. De lá pra cá, vários nomes importantes do cenário literário mundial deram seus depoimentos à revista, cuja sede agora fica nos EUA.

O que diferencia as entrevistas da Paris Review de outras publicações é o tom de conversa informal que leva o escritor a falar sobre a sua intimidade, não a pessoal, mas a do dia a dia da criação literária, seus rituais e manias. Talvez a mais famosa dessas entrevistas tenha sido a concedida por William Faulkner.

O autor de O som e a fúria relata que não tem um ritual excêntrico para escrever: “o único ambiente de que o artista necessita é qualquer paz, qualquer solidão” e “as ferramentas de que preciso para o meu negócio são papel, fumo, comida e um pouco de uísque”. Tornou-se clássica sua resposta com relação à inspiração: “Noventa e nove por cento de talento... noventa e nove por cento de disciplina... noventa e nove por cento de trabalho”, afirmou o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1949.

Dos escritores contemporâneos e sobre seus hábitos de escrita, destaco as entrevistas com Paul Auster, Ian McEwan e Javier Marías. O primeiro tem hábito de escrever à mão, com caneta tinteiro e, às vezes, a lápis, em cadernos. “Teclados sempre me intimidaram”, afirma. McEwan, por sua vez, diz que o computador “é como um amigo íntimo, a conversa flui melhor”. Já o escritor espanhol escreve à máquina. “Nunca coloquei minhas mãos num computador, mas me disseram que facilitaria muito a minha vida”.

Curiosidades à parte, o volume traz o pensamento de mestres da literatura universal, gente do porte de Borges, Hemingway, Doris Lessing e Primo Levi falando sobre a angústia da criação, a paixão pelos livros e sobre suas vidas dedicadas à literatura. Obra para ser consultada como um livro sagrado, contendo os ensinamentos dos grandes mestres.

Cassionei Niches Petry é professor e mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Sonha um dia ser entrevistado pela Paris Review. Escreve quinzenalmente para o Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com.

Comentários

Wagner Bezerra disse…
Gostei dessa resenha quero muito ler essas entrevistas...


Abraço!

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