Carta para a escritora e professora Lélia Almeida

Querida Lélia,
há alguns dias pensei em te escrever em forma de carta, mas sabes como a vida de professor não nos permite o tempo necessário para a reflexão. No máximo arrumamos um espaço para postar bobagens na internet, mas para isso não é preciso pensar muito. Não significa que essa carta vá estabelecer uma análise freudiana sobre a leitura que me arrebatou nesses últimos dias, muito menos uma abordagem a partir da ideia de amor líquido baumaniana, enfim. Acredito, no entanto que essa missiva (coisa antiga, hein?) também não deva ser um simples bilhete ou recado.
Poderia simplesmente dizer “ó, li teu O amante alemão, professora”. Aliás, já disse, como bem sabes. Preciso, porém, relatar algo mais do que isso, e tem a ver com uma coisa sentimental, mais do que racional, pois tenho por ti um carinho muito grande e uma gratidão maior ainda. Por isso não escrevi, nem vou escrever, nenhuma resenha sobre o livro.
Foste minha professora e me ensinaste muita coisa. Até aí, cumpriste com tuas obrigações. Mas além de ensinar língua espanhola e suas literaturas, me mostraste escritores e, principalmente, escritoras diferentes, que estavam um pouco distante dos cânones estabelecidos para os estudos. Talvez eu demorasse para conhecer Griselda Gambaro, Cristina Peri Rossi ou Carmem Martín Gaite, por exemplo. Como se não bastasse, me apresentaste ao cinema do Almodóvar. Aprendi a ler, a ver, a apreciar as culturas de matriz espanhola. Aprendi a ter um olhar feminino para as coisas, mesmo que eu tenha sido durante toda a minha vida rodeado por mulheres (avós, mãe, tias, primas, sogra, esposa, filha e colegas do curso de Letras). Ainda por cima me deste o meu primeiro computador, que pariu alguns contos que hoje formam meu primeiro livro.
Eu queria falar um pouco sobre teu O amante alemão, porém tenho receio de que esta carta seja lida por muitas pessoas e possa estragar as surpresas que poderão ter. Digo apenas que me envolvi com a história, escrita de uma forma que demora para estabelecermos os nexos narrativos, o que demonstra uma grande habilidade técnica, num patamar bem acima das tuas outras obras. O enredo vai sendo entregue aos poucos e, quando mal percebemos, já estamos na centésima página e ainda descobrindo detalhes importantes. Identifiquei também muitos aspectos da cidade de Santaluz relacionados a outra cidade do interior do Rio Grande do Sul (certo jornalista, certo sorvete da praça, certo político racista, certo produto econômico principal). Vi personagens que eu poderia muito bem ter conhecido, mas sei que tudo não passa de ficção, da mais pura e bela ficção. Qualquer semelhança é mera coincidência. Estou certo?
Um dos temas da obra é o suicídio, sobre o qual andei me debruçando nos últimos anos em pesquisas literárias, principalmente no mestrado. Mais um fator que me leva a dizer: O amante alemão foi uma das melhores leituras que fiz em 2013. Sua qualidade foi confirmada agora por ter sido indicado como finalista do importante Prêmio Açorianos de Literatura.
Despeço-me por aqui. Um novo livro me chama. Quero que saibas que estou torcendo por ti, não só pela proximidade que tivemos, mas porque o romance é realmente bom, muito bom. O amante alemão ainda te reserva muitas alegrias, Lélia.
Um abraço do teu sempre aluno
Cassionei

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